A América Latina é um território a uma questão para o pensamento. A noção de “latino” e de “América” já designa o destino de uma história não própria ou apropriada pelo colonizador, que impôs aos povos que aqui viviam o marco “civilizatório” do ocidente cristão e que se consolidou pela conquista, exploração (espada) e aculturação (cruz) de povos e culturas autóctones.
A “lógica colonial” de domínio, exploração, apagamento e desumanização do outro, resultante de um sistema mercantilista, extrativista, escravista e capitalista de diferentes matizes, representou um processo destrutivo para estes povos e também para sua condição de vida em harmonia com a natureza. Tal “lógica colonial”, persistente também no contexto pós-independência, ainda se abate sobre as populações e minorias étnicas, os povos da floresta, as populações afro-descendentes e as culturas autóctones que, a duras penas, resistem. Esta lógica, em sentido amplo, ameaça a própria sobrevivência da humanidade, sobretudo pela degradação persistente do sistema ambiental de vida.
Na América Latina e no Brasil, como em outras partes do mundo que sofreram e ainda sofrem os efeitos deste processo histórico e civilizatório, para o bem ou para o mal, se estabelece um solo fértil de questionamentos na busca de sentido sobre nossa condição de existência, ao mesmo tempo enraizada numa cultura sui generis e um lastro de dependência cultural e, muitas vezes, políticas de epistemicídio. Esta espécie de ambiguidade intrínseca que nos constitui também abre as portas para um horizonte utópico, ao ponto de se lançarem perspectivas de ruptura com vistas a refundar um novo marco civilizatório no qual defender os povos das florestas e as populações indígenas representaria um imperativo de sobrevivência para toda a humanidade, e até mesmo a própria refundação de nomes, não mais “América Latina”, mas talvez, Abya Yala, (terra viva) em referência ao nome que conferiam os antigos habitantes que aqui viviam, antes da chegada do colonizador ou ainda Améfrica Ladina, como Lélia Gonzalez a nomeia para fazer referência a uma américa latina negro-africana e indígena, que realça a participação e contribuição desses povos para o desenvolvimento cultural do nosso território e as histórias e saberes secularmente apagados na construção de nosso projeto de sociedade.
O cruzamento de horizontes culturais imposto como um destino não escolhido aos povos autóctones da América Latina coloca-nos diante de questões que impactam e movimentam nosso modo de pensar e nossa condição de vida, como também induz questões próprias de nosso território: a pergunta sobre quem somos, nossa identidade; sobre a alteridade num contexto de subordinação histórica e de memórias feridas; a diversidade que nos constitui como indígenas, africanos, europeus, num cruzamento intercultural efervescente.
Estas marcas que nos constituem como latino-americanos, entre a resistência de nosso núcleo ético-mítico e nossa inserção no plano de uma civilização universal, que é preciso ressaltar, não se confunde com a da cultura européia, foi palco de debates para o filósofo Paul Ricœur (1913-2015), que desde 1947, já se deparava com a questão viva da responsabilidade do colonizador diante da “questão colonial” e, em 1961, num contexto em que a maior parte da África colonial conquistou sua independência, afloravam diversos problemas e tensões sobre como a pluralidade de culturas nacionais, autóctones, poderiam sobreviver diante da civilização universal.
A questão da sobrevivência das culturas autóctones, diante da civilização universal, é para Ricœur um paradoxo: ao mesmo tempo que procuramos nos enraizar no núcleo tradicional das culturas é uma condição de sobrevivência dessas culturas a necessidade de participar de algum modo da civilização universal, sob pena da própria sobrevivência dessas culturas, ou seja, parece não haver subterfúgios românticos e isolamento, portanto, resta-nos a possibilidade de um diálogo intercultural, porque as culturas, no plural, não são incomunicáveis.
É certo que o homem é um estranho para o homem, mas também sempre um “semelhante”; o estranhamento nunca é absoluto. Dizer que fazemos parte da espécie humana é muito vago, é preciso ainda elevar este sentimento, pensa Ricœur, “ao grau de uma aposta e de uma afirmação voluntária da identidade do homem” (Ricœur, 1967, p. 336). É com este pressuposto que o egiptólogo pôde interpretar os hieróglifos: crer na possibilidade de que os signos humanos, de alguma maneira, podem ser traduzidos, ou seja, que o estrangeiro é um homem, e, em virtude desta mesma humanidade, a comunicação é possível.
Ricœur concebe a humanidade sob dois estilos de atravessar o tempo: o da civilização, com base na acumulação e progresso, e o da cultura, que repousa na lei de fidelidade e criação. A função criadora das culturas vincula-se à noção de núcleo ético-mítico, que pode reinventar-se para não se folclorizar, meta esta que só foi concretizada numa fase subsequente, a partir de novos desenvolvimentos de sua hermenêutica, organizada em torno do núcleo principal da narrativa, da identidade e da memória.
A noção central de identidade narrativa supera a simples uniformização (idem) pelo dinamismo e pela criação (ipse). É apenas uma identidade, não marcada pelos traços do mesmo, que possibilita perceber o “outro” de si mesmo, na medida em que nos conhecemos melhor se aprendemos a frequentar o outro através do diálogo intercultural.
O núcleo ético-mítico incide sobre a questão da compreensão de si e da identidade. Para Ricœur, não possuímos uma compreensão direta e imediata de nós mesmos, como nas filosofias do cogito desde Descartes, o cogito tem um sentido construído que é preciso decifrar e desconstruir nas imagens, símbolos e textos culturais nas quais o homem registra seus atos e sua compreensão, para oferecer uma compreensão amplificada de si-mesmo, eis a função de criação.
Acompanhando o desenvolvimento teórico de Ricœur, notamos, por um lado, um sentido de convergência em torno de uma intuição e convicção original que ele persegue desde o início de suas reflexões, vale dizer, o resgate do núcleo valorativo das culturas que motiva o viver junto (vivre ensemble). De outra parte, todos os grandes temas da filosofia de Ricœur convergem para o tema da cultura: o símbolo, a linguagem, a narrativa, a identidade, a responsabilidade, a memória, a história, o reconhecimento, a ciência e a tecnologia, etc.
Ricœur nunca deixou de destacar sua tripla herança filosófica que nasce na tradição da filosofia reflexiva, da fenomenologia e seu enxerto hermenêutico. Ele pensa a tradição hermenêutica no marco de um conflito de interpretações exatamente porque sua hermenêutica é crítica em relação a uma ontologia fundamental, e, nesse sentido, se abre para um diálogo produtivo com as ciências humanas. Este mergulho nos diferentes métodos também lança sua hermenêutica para um profundo diálogo interdisciplinar com a psicanálise, a história, as ciências sociais, a filosofia política, a linguística, a literatura e também a religião neste âmbito narrativo e literário, etc.
É nesse sentido que o II Congresso da Rede Brasil-Ricœur procura dialogar com o pensamento latino-americano. Pensamento que não se restringe à hegemonia do ocidente e suas raízes etnocêntricas, eurocêntricas ou epistemocêntricas, mas, tal como na proposta de Ricœur de um descentramento do sujeito, visa estabelecer um diálogo interdisciplinar com as mais diferentes epistemologias e visões de mundo, numa verdadeira polifonia de vozes e também de conflito interpretativo, sempre apostando na possibilidade de tradução e de diálogo com as diversas culturas indígenas, africanas, ocidentais, além da riqueza do pensamento literário dos povos latino-americanos, mas também das culturas orais, uma vez que Ricœur compreende a linguagem como dialética de evento e sentido e de sentido e referência.
Professores convidados:
Andrés Bruzzone – (Presidente da Rede Brasil-Ricœur)
Carlos Cullen (UBA/Argentina)
Cláudio Reichert do Nascimento (UFOB)
Cristina Amaro Viana (UFAL)
Cristina Henrique da Costa (UNICAMP)
Ernst Wolff (Ku Leuven/Bélgica)
Fábio Abreu dos Passos (UFPI)
Francisco Diez Ficher (UCA/Argentina)
Gustavo Silvano Batista (UFPI)
Helder Bueno Aires de Carvalho (UFPI)
Jeanne-Marie Gagnebin (PUC-SP)
José Vanderlei Carneiro (UFPI)
Manoel Coracy Saboia (UFAC)
Manuel Prada Londoño (Universidad de La Salle/Colômbia)
Marcelo Perine (PUC-SP)
Noeli Dutra Rossatto (UFSM)
Ricardo Salas Astraín (UCT/Chile)
Rita de Cássia Oliveira (UFMA)
Roberto Roque Lauxen (UESB)
Tomás Domingo Moratalla (UNED/Espanha)
Weiny César Freitas Pinto (UFMS)
*A programação completa será divulgada em breve
Pesquisadores nacionais e internacionais são convidados a submeter resumos de suas pesquisas de acordo com as seguintes orientações:
Os resumos deverão ser encaminhados para o e-mail: redebrasilricoeurpi@gmail.com
PRAZOS
Período de submissão dos resumos: 10/03/2025 a 31/05/2025
Divulgação dos resumos aprovados: 15/06/2025
*Os resumos dos trabalhos aprovados serão publicados nos anais do evento.
Para realizar a inscrição, o participante deverá acessar o site https://redebrasilricoeur.org/ e clicar no link do Formulário de Inscrições. Preencher o formulário com dados pessoais, categorias de inscrição (Professores de IES e/ou pesquisadores, Professores da Educação Básica, Estudantes de Pós-Graduação, Estudantes de Graduação, Associados da Rede Brasil-Ricœur) e a escolha de participação no evento (como ouvinte ou apresentação de trabalho).
Período de inscrição: 01 de fevereiro de 2025 a 31 de julho de 2025.
Os participantes devem efetuar o pagamento de acordo com a modalidade em que desejam se inscrever. Ver tabela abaixo:
Quem se inscrever na modalidade com apresentação de trabalho (incluindo co-autores),deve observar o prazo de pagamento referente à chamada de envio de resumos. Data limite: 31/05/2025.
O pagamento deve ser realizado através de transferência identificada ou de depósito identificado com o nome do inscrito. Ressaltamos que a não comprovação do pagamento acarretará no cancelamento da inscrição do participante.
O participante deve enviar o comprovante do pagamento da taxa de inscrição para o e-mail redebrasilricoeurpi@gmail.com junto a um documento comprobatório de sua categoria de participante, no caso daqueles que irão apresentar trabalho.
Os co-autores devem informar, no corpo do e-mail, os dados do trabalho cadastrado no evento: título, autor que cadastrou e eixo temático.
Ampliando a programação científico-acadêmica e buscando a valorização da história, cultura e identidade do Piauí, estado que sediará o II Congresso Internacional Rede Brasil-Ricoeur, propomos como atividade de imersão cultural uma viagem ao Parque Nacional Serra da Capivara (por adesão).
Esta viagem será realizada ao fim do evento nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 2015.
Mais informações em breve.
Sobre o Parque Nacional Serra da Capivara
O Parque Nacional Serra da Capivara foi criado em 1979, para preservar vestígios arqueológicos da mais remota presença do homem na América do Sul. Sua demarcação foi concluída em 1990 e o parque é subordinado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Por sua importância, a Unesco o inscreveu na Lista do Patrimônio Mundial em 13 de dezembro de 1991, e também na Lista Indicativa brasileira como patrimônio misto.
Em 1993, o Parque passou a constar do Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, do Iphan. Na área tombada foram localizados cerca de 400 sítios arqueológicos. A maioria deles contém painéis de pinturas e gravuras rupestres de grande valor estético e arqueológico. A área faz parte de um dos 63 parques nacionais do Brasil e está entre as dez que protege a caatinga, sendo constituída de quase 40% da caatinga protegida no país.
Com uma área de aproximadamente 130 mil hectares, está localizado no sudeste do Estado do Piauí e ocupa parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. A distância que o separa da capital do Estado, Teresina, é de 530 quilômetros. Em seu entorno foi criada uma Área de Preservação Permanente (APP) com dez quilômetros de raio, que constitui um cinturão de proteção suplementar. Com isso, os sítios estão protegidos e íntegros no que concerne à sua preservação física e à sua compreensão.
Situado no domínio morfoclimático das caatingas, em uma região fronteiriça de duas grandes formações geológicas – a bacia sedimentar Maranhão-Piauí e a depressão periférica do rio São Francisco –, com vegetação e relevo diversificado e paisagens de beleza surpreendente, possui pontos de observação privilegiados de vales, serras e planícies. Apresenta, também, um dos conjuntos de sítios arqueológicos mais relevantes das Américas, que têm fornecido dados e vestígios importantes para uma revisão geral das teorias estabelecidas sobre a entrada do homem no continente americano.
Centro de Treinamento Pe. Tony Batista
Av. Pres. Kennedy, 7384 – Socopo, Teresina – PI, 64063-010 (12 minutos da UFPI)
Palácio do Rio Hotel
Av. Ininga, 1325 – Jóquei, Teresina – PI, 64048-110 (08 minutos da UFPI)
Alfa Hotel Teresina
Av. Rio Poti, 959 – Fátima, Teresina – PI, 64049-410 (06 minutos da UFPI)
Monã Hotel Teresina
Av. Homero Castelo Branco, 2755 – Ininga, Teresina – PI, 64048-400 (10 minutos da UFPI)
Gran Hotel Arrey
Rua Jaime da Silveira, 433 – São Cristóvão, Teresina – PI, 64056-330 (15 minutos da UFPI)
Metropolitan Hotel
Av. Frei Serafim, 1696 – Centro (Sul), Teresina – PI, 64001-020 (20 minutos da UFPI)
Grupo de apoio: (86) 98103-7963 ou (86) 99543-6541